sexta-feira

eu, rio

Nasci em numa região altiva, do seio de rochas vulcânicas. Discreto, emitindo um chiado mínimo, formei poças cristalinas. O suor das montanhas foi meu alimento, as lágrimas do céu minha água e a vida vegetal e animal minhas contrapartes espirituais. Com o tempo tornei-me caudaloso e profundo, correndo mais rápido, com maiores aspirações à perenidade ao mesmo tempo em que mais turbulento e instável. Carreguei infindáveis torrentes de sedimentos em meu leito, não mais permitindo que heras fixassem-se às margens. Poluí-me e renovei-me. Antevejo meu irrevogável destino e, ao fazer isso, desejo-o em segredo: ficarei raso, ilhas rasgarão minha superfície, sentirei um gosto salgado na boca e abrirei um delta para morrer no oceano, brutalmente diluído, arrastando todo um mundo para o fundo do silêncio.

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