domingo

antidualismo

Singular ser o homem. Pela memória molda o passado, pela esperança antecipa o futuro. Com que ânsia bebemos da jarra da esperança! E com que fanatismo agarramo-nos em nossas memórias mais obscuras e fantasmagóricas... O presente, nesse contexto, revela-se como a fugaz conversão da potência do vir-a-ser e todas suas decrescentes probabilidades em lembrança e hábito enevoando-se à medida que se distancia. Todo esse drama banal, cotidiano, semanal, policentenário desenrola-se apenas na nossa mente. Séculos, milênios de sucessão, de representação do tempo, de esquecimento. Os cães do Oblivion não possuem olhos, só bocas enormes com mil dentes, como vermes faraônicos, a constantemente rasgar e digerir as franjas da memória que se esvai contínua e certamente. Tais seres jamais sentem fome. São como guardiães de um mundo proibido, inacessível, impensável. Simbolicamente, são um dos limites da inteligibilidade do mundo. Por outro lado, há a vinda do futuro como irrevogável. A consciência do fim, ou seja, quando o universo em mim cessar de ser e dissolver-se, é fonte de uma tal angústia que só os humanos são capazes de sentir, sofrer e dar sentido. E, no entanto, apesar de nossas tentativas ora frias e pensadas, ora loucas e românticas, nossa capacidade de moldar o futuro é quase tanta quanto de moldar o passado. Isso já é bem grande. Mas ainda assim (valeu Maquiavel) as avalanches da fortuna continuam rompendo os diques da virtú, e a bruma da manhã continua envolvendo o barquinho a remo da consciência. Sobra o presente, o fugaz, vasto, eterno presente. Quanto menos palavras (gotas de outros tempos) precisamos para contemplá-lo, mais viva torna-se sua imagem. Pintá-lo em vermelho, amarelo, magenta, cobalto, grená, limão. Cessa a razão, cessa o discurso, a esperança e a memória. E então POU! CRASH! HURRAH! Malabarismo com bolas de basquete em corda bamba sobre cataratas do Iguaçu. Cachorro amordaçado com linguiça. Torrada com geléia amarrada em costas de gato em órbita.

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