quinta-feira

os ciclos, ah! os ciclos

Querid@s,

O blog Coluna de Ar será descontinuado. Foi muito bom receber vocês aqui. Mas o ciclo se fechou. Com o tempo, esta página vai se tornar um relicário de sonhos, anseios, tormentas e poesias; um cristalzinho morno no mar da informação.

É ao mesmo tempo uma consciência de um fim e de um começo.

Para todo ciclo que se fecha há um outro que se abre. Continuarei escrevendo em http://12hz.wordpress.com. Conto com a preciosa leitura de tod@s.

Paz e amor.

R.

quarta-feira

melancolia vespertina crônica

Tudo passa, tudo tudo tudo. Tudo passará. Que nem o vento, que vai e nunca volta. Fica só o frio. As lembranças mais queridas, os momentos mais afetuosos, tudo tudo tudo. Mesmo a solidão e o esquecimento, que parecem persistir, um dia se irão para muito longe. Tão longe que já não serão, e nada terá sido. Feito o mar que quebra, nunca quebra igual -- e aquela vaga que quebrou, ela teve seu momento, formou-se, inchou-se de impulso, quebrou e espumando se foi. E não voltará. Fica só a noite vasta. Mesmo as estrelas, segundo os astrônomos, um dia explodirão numa última orgia celeste e então ir-se-ão embora para sempre. Ainda segundo os astrônomos, nosso bruto, imenso, neutro e lindo universo desvanecerá no nada preto que eventualmente o engolfará. Mas quem se importa com astrônomos? Coitados deles!, noites e noites calculando quantas centenas de bilhões de anos daqui até algum fim. Em suas buscas cósmicas não percebem os inumeráveis fins que todo dia se nos abatem. Quantas coisas esqueci hoje? Quantas memórias outrora preciosas não terei esquecido amanhã, quando me levantar dos meus sonhos -- que serão obliterados pouco depois do despertar? Nada fica, absolutamente. Até hoje Arquimedes deve estar revirando a galáxia atrás do seu Ponto Fixo. E até hoje estou procurando aquele gosto que sumiu da minha boca. Um gosto de quartzo-rosa. Daqueles como já não se fazem. Será que um dia esquecerei também o sabor dos quartzos?

segunda-feira

contra

Contra a monstruosidade, as lágrimas, o assassínio. Contra aqueles que, acreditando-se escolhidos por uma força cósmica --que na realidade não passa de uma auto-ilusão narciso-psicótica--, acham-se no direito de arrancar ao mundo a vida, a beleza e a esperança. Contra aquilo que nos faz longe, muito longe da paz, e que a faz parecer um sonho extra-terrestre, empoeirado e louco.

sexta-feira

W. Herzog

D. Desculpe-me por não bater à porta... Eu sou Conde Drácula.

L. Eu sei quem você é. Eu li o diário de Jonathan. Ele escreveu tudo que se passou em seu castelo, enquanto esteve lá.

D. Não se preocupe, ele não morrerá.

L. Sim... ele irá. A morte nos cerca. Estamos todos à mercê dela. Os rios continuam a fluir sem nós. O tempo voa rasteiro. Mesmo as estrelas... elas vagam em nossa direção duma estranha maneira. Apenas a morte é certa. Apenas a morte é cruel.

D. Morte é crueldade contra aquele que dela não suspeita. Mas isso não é o que eu percebo enquanto cruel. Cruel é quando não se pode morrer, mesmo quando se quer. Dê-me um pouco do seu amor... que você deu a Jonathan.

L. Nunca. Esse amor eu não darei nem a Deus. Se Jonathan não pode me ter... então, ninguém mais poderá.

D. Se eu quiser, ele reconhecerá você. Mas antes, venha e dê-me seu amor. Só então lhe devolverei seu marido. Quanto a mim... a ausência de amor... é a mais abjeta das dores.

L. O poder de meu amor o trará de volta para mim. E você pode ficar certo... nem o inimaginável deter-me-á. Boa noite.

quarta-feira

sonho 6YH32-A

Devido ao aquecimento global, a Antárctica tornou-se um continente habitável. Milhões migraram para lá. No entanto, mesmo após décadas de ocupação, um estado ainda não havia se formado. No começo, as leis eram as mesmas dos países de origens dos colonizadores. Mas com o tempo essas leis foram esquecidas, e todos viviam sem lei ou costume que o valhesse. Por algum motivo, eu estava vivendo lá. Não possuía casa, apenas uma barraca que carregava comigo. Era um nômade do gelo e das estepes frígidas. Havia levantado acampamento sobre um lago congelado nos arredores de uma vila pós-industrial. Acordo sobressaltado no meio da noite com o gelo estalando, derretendo. Tenho que levantar acampamento imediatamente. Com a aurora chego à vila. É arborizada e rochosa. Aproximo-me de uma casa onde há pessoas acordadas. Adentro o quintal, sem me preocupar em ser visto ou não, e deixo a mochila com a barraca a um canto. Os moradores saem, olham para mim fixamente, mas não dizem nada. Não sei se estão paralisados de medo, de curiosidade ou de desejo. Consigo contar cinco pessoas. Após um momento eles parecem perder o interesse e vão cuidar de suas vidas. Sinto-me cansado devido ao sono interrompido e resolvo sentar numa amurada de cerca de meio metro de altura, feita de pedras, que dá para um ribeirão. Contemplo durante alguns segundos as árvores muito altas, as rochas negras, os prédios de concreto branco como miragens e ao fundo as montanhas de gelo da Antárctica. Quando dou por mim há uma mulher sentada ao meu lado, vestida com o macacão laranja dos antigos pesquisadores pré-coloniais. Cabelos pretos, longos. Seus olhos começam a me envolver e me puxar para o ribeirão. Vamos adentrando o ribeirão juntos, agarrados um ao outro. A água vai ficando mais funda -- apesar de sempre translúcida -- e pressinto a falta de ar. Beijo-lhe os lábios para conseguir oxigênio, mas já estamos submersos.

quinta-feira

reflexão pontual

Estamos acostumados à idéia de verdade: herança do Universo estático e perfeito de Aristóteles, cujo Sol não admite a presença de manchas. Imaginamos que é natural do ser humano o desejo pela estabilidade das cosmogonias. Tentar descartar a angústia de nunca saber é ilusão. É também ilusão acreditar saber. Idéias minimamente diferentes têm nos homens uma severa tendência à destruição mútua. Diferentes visões de mundo levam às guerras. Em todas as partes do Universo há “guerra”, matéria e antimatéria competem pelo ser. Átomos, moléculas, países. Logo, um possível destacamento qualitativo dos homens sobre o mundo não pode jamais ser levado a sério. Da mesma forma podem ser encarados os homens que mantiveram a mesma opinião sobre as coisas nos cursos de suas vidas. Diferentes níveis de energia da substância travam batalhas entre si, assim como diferentes idéias na mente de um poeta, ou como as múltiplas interpretações dos filósofos. Ou ainda como aquilo a que chamamos “vida” floresce e perece em raros desabrochares, num pulso auto-discordante.

terça-feira

citação

"Amamos a vida não por estarmos acostumados a viver, mas por estarmos acostumados a amar."