quarta-feira

melancolia vespertina crônica

Tudo passa, tudo tudo tudo. Tudo passará. Que nem o vento, que vai e nunca volta. Fica só o frio. As lembranças mais queridas, os momentos mais afetuosos, tudo tudo tudo. Mesmo a solidão e o esquecimento, que parecem persistir, um dia se irão para muito longe. Tão longe que já não serão, e nada terá sido. Feito o mar que quebra, nunca quebra igual -- e aquela vaga que quebrou, ela teve seu momento, formou-se, inchou-se de impulso, quebrou e espumando se foi. E não voltará. Fica só a noite vasta. Mesmo as estrelas, segundo os astrônomos, um dia explodirão numa última orgia celeste e então ir-se-ão embora para sempre. Ainda segundo os astrônomos, nosso bruto, imenso, neutro e lindo universo desvanecerá no nada preto que eventualmente o engolfará. Mas quem se importa com astrônomos? Coitados deles!, noites e noites calculando quantas centenas de bilhões de anos daqui até algum fim. Em suas buscas cósmicas não percebem os inumeráveis fins que todo dia se nos abatem. Quantas coisas esqueci hoje? Quantas memórias outrora preciosas não terei esquecido amanhã, quando me levantar dos meus sonhos -- que serão obliterados pouco depois do despertar? Nada fica, absolutamente. Até hoje Arquimedes deve estar revirando a galáxia atrás do seu Ponto Fixo. E até hoje estou procurando aquele gosto que sumiu da minha boca. Um gosto de quartzo-rosa. Daqueles como já não se fazem. Será que um dia esquecerei também o sabor dos quartzos?