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em favor do espírito trágico

Não há mais força nos verbos. Estamos prostrados sob a impotência das ações da linguagem. A contínua demolição das qualidades intrínsecas às coisas – ou melhor, a reclassificação de tais como miragens do eu – fez com que todo sujeito caísse de joelhos perante o Sistema. Sistema esse que sublevou o indefinido e racionalizou a vida. Para o sujeito do conhecimento, dada a condição do mundo ser uma vasta pluralidade de objetos, resta a própria cognição deste mundo, nas representações sonhadas e vividas. Logo, abrem-se diante de nossa vista quadros esquisitos: uma miríade de sujeitos representacionais a competir para abarcar de um só golpe de vista toda a pluralidade de facetas dos conteúdos das representações e dos objetos dos sentidos. Abarcar na acepção antediluviana do termo. Temos exemplos desse movimento nas artes, nas ciências, na economia, nos tortuosos caminhos das relações interpessoais e em quaisquer áreas que não resistiram ao processo pós-moderno de fragmentação e dissolução, ou que não foram capazes de superá-lo na direção de novas qualidades intrínsecas (o que bem pode ser uma negação, dando assim o Sistema conta de engolfá-la – o Sistema é totalitário). Tal cenário nos levanta questões ambíguas. Se por um lado há o desespero próprio de tão inusitada situação, e a metafísica implícita em tal salto, por outro há a possibilidade de surgirem novidades no campo semântico, ou melhor, de uma nova fase da revolução no campo semântico. Disto há exemplos em esferas relativamente marginalizadas no conjunto dos campos que, reiterados, compõem a episteme atual: algo na psicologia, na física, na música. Ora, possuímos acima todos os elementos de uma crise. Cisões entre campos outrora irmãos, parricidas epistemológicos, subjugações semânticas de toda sorte. Há também um consenso, ora silencioso, ora ensurdecedor, acerca da pluralidade e da extensão de tal crise. Os silenciosos afirmam a consolidação dos valores herdados da segunda fase do capitalismo tardio, seu estabelecimento global e sua interconexão com todos os aspectos da vida vivida e pensada, sua profunda quantificação esterilizante do espírito. Os gritantes clamam a chegada de um novo elo na corrente histórica humana, com a gênese de um paradigma capaz de amarrar as pontas frouxas do macro-sistema lógico-simbólico (o Sistema). Em outras palavras, há resumidamente duas perspectivas aparentemente opostas sobre a crise, porém ambas concordam em relação à sua envergadura e à sua natureza. Tal concordância nos remete à idéia de ser o futuro uma construção constante da atualidade e, assim, o primeiro carrega os vícios e ilusões da segunda. Mas seria a recíproca verdadeira? Ao caminharmos cada vez mais velozes rumo ao nosso destino, não estaríamos sendo limitados pelo mesmo? O mero fato de que é possível fazer-se esta pergunta obriga-nos a separarmo-nos tanto dos silenciosos quanto dos gritantes. Nós, órfãos rebeldes, nos voltamos para as representações do eu e suas multiplicidades, para a cambiante refração do mundo no prisma dos sentidos, a fim de conservar a última gota de honestidade, força e espírito trágico em nós. Até que não se possa tocar nenhuma superfície macia com as pontas dos dedos. Quando até mesmo isso for demolido, ou seja, quando a crise chegar ao seu termo, será colocado um ponto na história do Ocidente. Não me é possível imaginar sequer o que viria a ser um indício dessa distante aurora.