segunda-feira

dois e setenta

Como nós somos escravos das coisas. Quarenta anos atrás, creme de cabelo era luxo. Temos que trabalhar, vender nossa alma, produzir algo que nos é alienígena às custas da nossa saúde física e mental. E para quê? Saudades de Rosa e sertão. Nostalgia da época -- que não vivi -- em que podíamos andar a terra, segurar as crinas dos cavalos, cultivar o solo, cochilar à sombra de grandes árvores que pareciam eternas. Toda a filosofia do mundo não erradicou a escravidão, apenas mudou-lhe o nome. Hoje a passagem de ônibus em São Paulo subiu para absurdos R$2,70. Não há como sair de casa com menos de seis reais no bolso. E aí vem aquela balela cósmica dos direitos humanos, do livre ir e vir, tal. Pura cascata. História para boi dormir. E mais impressionante: nenhum protesto na cidade. Pelo contrário, uma paz celestial. Uma aceitação canina.

Um dia esse reino acabará. Esta noite sonhei que estava em Roma, na época do Império. Era um banquete. Eu desmascarava todos e depois fugia num submarino amarelo. Então as colunas começaram a ruir. Todas as noites vou dormir com a leve esperança ansiosa de acordar no dia seguinte com o mato cobrindo todos os prédios, os carros abandonados na rua enferrujando lentamente, os animais livres e os crânios dos nossos algozes de outrora empilhados na porta da cidade.

incêndio em comunidade no Capão Redondo, 2009

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