quarta-feira
melancolia vespertina crônica
segunda-feira
contra
Contra a monstruosidade, as lágrimas, o assassínio. Contra aqueles que, acreditando-se escolhidos por uma força cósmica --que na realidade não passa de uma auto-ilusão narciso-psicótica--, acham-se no direito de arrancar ao mundo a vida, a beleza e a esperança. Contra aquilo que nos faz longe, muito longe da paz, e que a faz parecer um sonho extra-terrestre, empoeirado e louco.
sexta-feira
W. Herzog
quarta-feira
sonho 6YH32-A
quinta-feira
reflexão pontual
Estamos acostumados à idéia de verdade: herança do Universo estático e perfeito de Aristóteles, cujo Sol não admite a presença de manchas. Imaginamos que é natural do ser humano o desejo pela estabilidade das cosmogonias. Tentar descartar a angústia de nunca saber é ilusão. É também ilusão acreditar saber. Idéias minimamente diferentes têm nos homens uma severa tendência à destruição mútua. Diferentes visões de mundo levam às guerras. Em todas as partes do Universo há “guerra”, matéria e antimatéria competem pelo ser. Átomos, moléculas, países. Logo, um possível destacamento qualitativo dos homens sobre o mundo não pode jamais ser levado a sério. Da mesma forma podem ser encarados os homens que mantiveram a mesma opinião sobre as coisas nos cursos de suas vidas. Diferentes níveis de energia da substância travam batalhas entre si, assim como diferentes idéias na mente de um poeta, ou como as múltiplas interpretações dos filósofos. Ou ainda como aquilo a que chamamos “vida” floresce e perece em raros desabrochares, num pulso auto-discordante.
terça-feira
quarta-feira
xis dois
Numa sonolenta tarde de maio, estirado sobre um desordenado catre, X. contemplava a cambiante paisagem através da única janela do aposento. Seu aspecto era lúgubre. Sobre o dorso nu, onde proliferava uma pelugem negra, um pesado volume de muitas páginas amareladas descansava aberto com a capa para cima. A lenta respiração de X. fazia com que o livro descrevesse uma monótona trajetória pendular vertical, quase regular. Uma meia-luz vinda de fora delineava formas tímidas pelo aposento. Ao lado do catre via-se um criado-mudo sobre o qual jaziam migalhas de pão e uma xícara velha, amarelada, em cuja boca agregara-se uma pontilhada camada negra a tudo resistente. Tubos metálicos de modesta bitola recortavam as paredes de cima a baixo, bifurcando-se em ângulos retos e morrendo em caixas com furos precisos onde a energia potencial aguardava em silêncio o momento de transformar-se em movimento. Daí em diante era o reino do negrume. De vez em quando algum reflexo inesperado inundava brevemente o aposento com uma luz fria, para então deixá-lo intocado.
Da janela vinham os ruídos contínuos, parecidos com chuva, do rolamento da borracha sobre o asfalto. Os carros passavam velozes pela avenida. X. observava suas trajetórias retilíneas e seus condutores solitários. O fluxo dos bólidos não era constante. A intervalos ritmados os discos coloridos dos semáforos exibiam cores diferentes, à visão das quais os condutores iniciavam uma progressiva desaceleração das máquinas até o repouso, para dali a poucos segundos – sob o efeito duma nova mudança cromática no semáforo – colocá-las mais uma vez em movimento, reiniciando um ciclo infinito, jamais se cansando ou perdendo o andamento. Árvores balançavam galhos majestosos preguiçosamente, as folhas múltiplas buscando um sol retirante. Às vezes um vento qualquer as agitava, e só.
Ademais, concreto e vidro. Ângulos rajados, linhas verticalíssimas, tudo salpicado de regulares janelas abertas ora para a escuridão interior ora para uma luz fria e gasosa. Monumentais caixas de fósforo silenciosas. Pulsando por dentro com angústias, solidões, orgasmos, mentiras, paixões violentas e suicídios. Fermentando vida. Aguardando o dilúvio. Zumbindo como abelhas invisíveis e cegas.
Um som doce e profundo espalhou-se pelo ar. Eram os sinos anunciando as horas. Havia por perto um templo dedicado a um deus há muito morto. Mesmo assim, alguns fiéis remanescentes ainda buscavam algum refúgio ali. O carrilhão, após dar seis sólidas badaladas, passou a uma profusão sonora repleta de tétrades maiores, menores e diminutas. Ondas de som carregaram as notas reverberantes até os tímpanos de X. Seu complexo organismo traduziu e retraduziu essa mensagem acústica para diversos códigos elétricos e impulsos químicos, ao cabo dos quais X. levantou as sobrancelhas. Seu rosto permaneceu imóvel como o de um lagarto, os olhos fixos no infinito de sua janela.
Súbito, ergueu-se e parcimoniosamente abriu as folhas de madeira do guarda-roupas. Tirou algumas peças empoeiradas da escuridão. Vestiu-as defronte o espelho, mas sem fitá-lo a não ser por um único instante, quando um olhar de esguelha quase pousou sobre os fundos olhos do homem jovem, magro e barbado do espelho.
terça-feira
sábado
sexta-feira
poema lento
sábado
sexta-feira
poema de outono, para Tarkovsky
de estranhamento para com as coisas do mundo.
Uma desconexão mais ou menos leve,
sem dor ou prazer anexados necessariamente,
estendendo-se por toda a alma,
como se esta fosse desvincular-se do corpo
sem projetar sombras,
deixando para trás apenas um rastro de odores sutis.
Seria o dia então uma massa
sem pensamentos, palavras, movimentos que lhe infudissem
qualquer realidade mais válida
que a branca espiral de vento
no vértice entre o aqui e alhures,
entre o agora e o outrora,
entre o ser e o porvir.
Sim, eu imagino essa sublevação...
E nos caminhos que trilhamos,
nas estações em que nos esquecemos,
nos apartamentos onde naufragamos lentamente,
ano após ano,
década após década,
sim, lá estará o jato branco
nas costas da baleia branca,
sempre à frente.
Sonhei que era criança novamente...
Sentia-me feliz por todas as possibilidades
estarem abertas mais uma vez,
por estar cônscio da indefinição
deliciosa da imaturidade,
por não esperar do mundo
mais do que aquilo que ele me dá
a cada momento.
Mas vivemos amores,
tocamos músicas,
somos tocados
por fluidos aéreos e benéficos,
definimos nossas ações,
impomos nosso caráter progressivamente,
sentimos o estreitamento do potencial
em direção ao atual,
que por sua vez escoa para o esquecimento...
Então,
após vinte anos,
sobrevém o mar interior,
represado,
de um ser feito para o Amor, mas vivendo a Grande Queda.
Um lago gargantual,
de criaturas abissais,
de peixes-voadores e garças selvagens.
Pronto para despejar seu conteúdo
na realidade mais próxima,
galopando pelas planícies
como o vento que traz as chuvas necessárias às colheitas,
à sua frente os olhos do Outono,
atrás de si o Destino a correr
como um louco segurando uma navalha.
quinta-feira
thursday, early morning
and not being able to grasp it
well... that's the most revolutionizing feeleing there is
all together...
quarta-feira
terça-feira
o Grande Touro Negro
Esse estado específico da percepção, sem a intervenção de um outro indivíduo real, é particulamente revelador: mostra o quão o mundo é, com efeito, um mundo interno, existente enquanto representação, cujo pilar é o sujeito que conhece. Surge então uma outra dimensão do conhecimento: o mundo é, nesta nova dimensão, o que se me apresenta. E eu o vejo em minha mente, como manifestação de minha mente. Ora, minha mente faz parte do que sou. Logo, sou o que vejo -- e, por que não, vejo o que sou. Assim, por esse ângulo, o solitário que contempla a vista de sua janela -- e é inteiro tomado por tal vista -- tem as fronteiras de seu ser borradas, os limites entre o que é janela e o que é solitário deixam de ser claros, pois um torna-se o sustentáculo do outro, ou melhor, um revela-se ser o sustentáculo do outro. Essa dissolução do sujeito no mundo é percebida como um devanescer da individualidade. Pois não é você ou eu olhando esta ou aquela janela, mas a junção do contemplador e do comtemplado num único fluxo existencial, do qual é, em certa medida, impossível discernir limites ontológicos. O desvanecer da individualidade pode ser interpretado como o fim da ilusão de que nós somos diferentes das coisas. O fim dessa ilusão é representado mais radicalmente pela morte do indivíduo. Logo, morte e desvanecer contemplativo são não apenas análogos, mas momentos distintos do mesmo processo, com a diferença fundamental de que o desvanecer-se é capaz de produzir conhecimento estético do mundo enquanto contemplador de si mesmo, mas a morte é o Desconhecimento ele-mesmo.
Voltando à solidão, para concluir. Depois de uma rápida pesquisa pessoal em indivíduos de grandes cidades, quanto aos que não suportam bem a solidão, a maioria das respostas é clara. A solidão os leva à contemplação do mundo. O homem moderno morre de medo da contemplação do mundo, pois ela o minimiza, o rebaixa ao mesmo nível do objeto contemplado. "Rebaixa", como se isso fosse possível. O homem percebe sua pequenez no vasto universo fluido. Sente-se perdido, pois as instituições religiosas que sobrevivem no mundo moderno estão todas absolutamente falidas do ponto de vista da capacidade de estabelecer uma cosmogonia positiva, uma cosmovisão profunda e acalentadora. Sobrevém o inevitável abismo similar à morte que é o desvanescimento contemplativo. Isso lhe é insuportável. É-lhe também insuportável a degustação da seguinte verdade: o mundo é minha representação. Então criou-se um descomunal aparato de distração, uma vez que a solidão não pode ser suplantada, que sequestra toda e qualquer capacidade cerebral humana de ver algo, sentir algo. No lugar dessa capacidade é colocada uma massagem hipnótica que mistura uma sexualidade difusa e histérica, uma necessidade de se afirmar em termos materiais como falso sucedâneo à falta de conteúdo espiritual e uma substituição da comunicabilidade humana por códigos aleatórios, cifrados, truncados. O que, convenientemente, faz do homem moderno um ser dócil, inconsciente de seu poder, facilmente amordaçável.
A contemplação solitária e ociosa não pode ser usurpada pelos defensores do medo. Há que ter coragem para ter conhecimento e doravante poder. Olhar nos olhos do grande touro negro que vem quando as máquinas são desligadas é fundamental para a conexão do homem com aquilo que ele é, ou seja, o mundo mesmo, com todos seus espaços vazios, com toda a abundância de vida que cada célula traz.
...tame the light...
...tame the light in the mirror...
segunda-feira
reLovolution
Lhes é ofensiva pois há séculos lhes é enfiado na cabeça que o prazer é ruim, traz a perdição e a ruína não só nesta vida, mas para toda a eternidade; e o sofrimento é bom, pois purifica, renova e liberta. Assim como o trabalho, que nunca deixou de ser uma fonte de sofrimento na humanidade, liberta. Mas isso ressoa mais profundo em alemão: Arbeit macht frei. Essa era a inscrição nos portões dos campos de extermínio nazistas. Que receberam apoio não só ideológico como material da igreja católica. Igreja cujo líder, Ratzinger, não só fez parte da juventude hitlerista e abrigou acusados de nazismo quando o terceiro reich caiu, como acobertou acusados de estupro contra crianças na época que era cardeal, ou bispo, ou acerbispo, ou qualquer coisa que o valha. Por outro lado, os estadunidenses precisam vender suas bugingangas inúteis e suas ideias pífias para todo o mundo, pois eles crêem ser os representantes mundiais da liberdade, apesar de terem iniciado inúmeras guerras e financiado um tanto de outras com o objetivo muito claro de exterminar, pilhar e impor. E os portadores de sua cosmogonia monossilábica vêm atingindo relativo sucesso por essas bandas de cá, abaixo do equador, em aniquilar todo traço de cultura autêntica, de pensamento autônomo, de economia alternativa de subsistência. Culturas, pensamentos e economias que são perseguidas não só por aqueles portadores de cosmogonias monossilábicas, mas por todos os seus advogados. Advogados que recomendam o trabalho, a dor e o sofrimento contra aquela sensação perigosíssima que é o prazer.
Perigosa pois mostra, numa concentração e num nível tão altamente invioláveis, o poder individual, a liberdade que o amor proporciona, a capacidade revolucionária de se sentir vivo, humano, de não aceitar o que nos reduz, de não ser tolhido em nossas escolhas pela imposição violenta da imbecilidade e da cegueira enquanto verdades metauniversais. Esse poder vem quando o chamamos honestamente, sem o ranço da culpa, de peito aberto, olhando nos olhos de um outro autêntico, do Grande Outro, do objeto A. É aí que moldamos nosso lar. E é para aí que vamos quando o desgosto para com a exacerbação da mediocridade e a apologia da escravatura nos acerta em plena segunda-feira, após um feriado repleto de méis, luares, sons e olhares.
Não fiquemos calados.
quinta-feira
quarta-feira
Stoff
Opaco. Denso. Seu cheiro me faz questionar a permanência das coisas. O que me resta? E, no entanto, o cheiro está lá. Abro a janela e lá está ele. Impregna-se nas paredes exteriores como musgo em cavernas. Permeia toda química mundana; posso senti-lo agora, lá vai ele no pouso de uma mariposa. Cada cerda microscópica incrustada aos milhares nas asas agitadas procurando a luz e produzindo a sombra – cada uma delas multiplica aquele olor. Refrata-se na borda de um espelho, no reflexo do sol em torres de vidro. Quando chega montado no esbugalhar das órbitas de cães molestados é miasma. Vem como aroma na textura tépida de lábios amados. Como negar apenas um lado e manter a consciência da unidade? O aroma me faz vivo enquanto o miasma me faz forte. Aniquila-me a infinita certeza da degradação dos elementos menos por revolta contra o tempo do que por saber que ele fica. O cheiro fica. Imutável nas suas manifestações multipolares. Inelutável. Só é possível esquecê-lo dele embriagando-se. Talhá-lo com as unhas; nos dentes carregá-lo; sorver seu aspecto; enrolar-se em sua manta. Incorporando-o em tudo o que em mim existe posso perdê-lo de vista, ocultá-lo consigo próprio. Sê-lo. Mas aí um capim espartano em alguma rachadura do passeio me joga na cara todas as crinas coloridas e geométricas que esvoaçam no corpo rugoso do nada e pimba! – o cheiro novamente. Estampado como um leque de gueixa.
terça-feira
ao Tempo
cinzaclaro distante,
absorto em você.
Posso mergulhar em tua cor
tanto quanto é minha cor,
e me delimitas;
teu é meu círculo,
meus são teus olhos,
e me amplias.
Dá-me tua língua
e dou-te um sentido:
lapido. Teço. Moldo tua natureza em mim.
Mostra-me quilíceras
e dou-te mortalidade.
Comigo serás
até que eu não te seja mais.
segunda-feira
xis um
X. adentrou um mundo subterrâneo de metal e xenônio. A plataforma estava praticamente deserta, mas o ar era abafado. Poucas pessoas se utilizavam dos trens metropolitanos àquela hora. X. notou um olhar em sua direção, vindo do outro fim da plataforma. Um rapaz muito jovem, de traços delicados, metido numa estranha indumentária negra timidamente procurou os olhos de X. À perspectiva do outro, à percepção daquela consciência que o procurava com curiosidade por detrás duma face opaca, pálida até, X. vacilou. Por meio segundo o abismo que o isolava sucumbiu. Olhos, negros; por detrás deles a vastidão de sonhos, vales, mares, quartos, lençóis, fraquezas voluntárias de uma alma real e desconhecida. O rugir lancinante dos freios férreos do trem que chegava fez X. baixar os olhos. Adentrou o vagão. Nem todos os assentos estavam tomados. Os passageiros de feições vagas aparentavam estar em transe hipnótico, contemplando o ar às suas frentes como a um cristal magnífico, invisível e entediante.
O som produzido pelo deslocamento do trem através do infindável túnel escuro e claustrofóbico lembrava uma serra elétrica, dilatada no tempo, recortando cerâmica.
Exatamente à frente de X., num espaço reservado para anúncios, havia um cartaz de uma exposição de quadros holandeses. No centro do cartaz, uma reprodução fotográfica de uma pintura assaltou o olhar de X. Via-se uma moça, robusta, saudável, derramando leite numa tigela. Ela vestia uma camisa amarela, grossa, cujas mangas foram dobradas, deixando os antebraços nus. Na cabeça portava um chapéu que era mais como um pedaço de pano amarrado, identificando-a como uma criada. A barra de sua saia azul estava presa à cintura de modo que não se sujasse com o seu andar por dentro da casa, cuidando para que as coisas continuassem como estavam. A reprodução mostrava-a dentro de uma cozinha rústica, simplória. Uma mesa com broas de pão, uma cesta, panos de cozinha e uma jarra abrigava a tigela onde a moça deitava leite duma ânfora de terracota. À esquerda, no alto, uma janela exterior iluminava a cena de maneira fria e digna. A luz caía intensamente sobre a mesa, a moça e a parede nua atrás dela, criando sombras densas em todas as outras partes da reprodução. Uma cesta de vime e um bule de cobre dependuravam-se da parede em penumbra perto da janela. Uma fração mínima de vidro estava quebrada, permitindo a direta iluminação de uma lasca de madeira. Um prego na parede atrás da moça projetava uma delicada sombra cônica. A luz branca de um dia nublado refletia-se em todos os objetos da cena. As feições da moça eram altivas, profundamente concentradas na simples tarefa de por leite numa tigela. Estaria ela com os pensamentos na imensidão, no amor? Ou todo seu temperamento voltava-se para aquela ação tão quotidiana? De uma maneira ou de outra, ela mostrava-se completamente alheia ao espetáculo que a luz, os objetos e ela mesma proporcionavam ao contemplador da reprodução. Sua indiferença à majestosidade da cena a elevava a um patamar divino, fazendo-a ela própria majestosa. O mundo explodia em reflexos belíssimos e mostrava sua natureza sólida, silenciosa e eterna numa cozinha holandesa; sem alterar-se ela enchia uma tigela de leite através dos séculos.
Uma voz metálica vinda do alto anunciou algo, X. levantou-se e, quando as portas foram abertas, lançou-se a passos rápidos para fora.
quarta-feira
segunda-feira
frase do dia
quarta-feira
lendo Arthur I
"...Quando vem a madrugada
meu pensamento vagueia,
corro os dedos na viola
contemplando a Lua cheia;
apesar de tudo existe
uma fonte de água pura:
quem beber daquela água
não terá mais amargura.
Desilusão, desilusão..."
terça-feira
de volta
Reli esses textos raivosos que publiquei aqui no blogue... Que horror! Então é esse o resultado de se viver numa grande cidade contemporânea? Abaixo o verde tenebroso da bile! De agora em diante não haverá mais espaço para o rancor, nem para a raiva, nem nenhum pixel rabugento correrá mais nessas veias eletrônicas! Bons humores à frente, Capitão!
Para se definir minha estadia na Terra dos Altos Coqueiros em poucos adjetivos: quente, sereno e melancólico. Deixo o triste de fora só por preferência estética às elipses de três elementos. Mas não nos adiantemos... Tudo a seu tempo!
segunda-feira
dois e setenta
Um dia esse reino acabará. Esta noite sonhei que estava em Roma, na época do Império. Era um banquete. Eu desmascarava todos e depois fugia num submarino amarelo. Então as colunas começaram a ruir. Todas as noites vou dormir com a leve esperança ansiosa de acordar no dia seguinte com o mato cobrindo todos os prédios, os carros abandonados na rua enferrujando lentamente, os animais livres e os crânios dos nossos algozes de outrora empilhados na porta da cidade.
Er
Tal qual uma cena de um videoclipe do Tool que um druida amigo meu me mostrou. Um passeio pelo lado de lá. Uma temporada. Visitei o Tártaro. Vi as pedras angulares e os platôs por onde os caçadores soltam seus falcões. O hálito do falcão é frio e úmido como um pântano. A força mais fundamental, essa libélula carnuda que habita o peito, se agita sobremodo, tentando escapar pelo nariz, pela boca, pelos olhos, chocando-se com o limite do corpo como uma abelha contra o vidro da janela diurna. Mas o corpo todo já é o Tártaro. Como é devastadora essa consciência, no momento em que ela vem. Lembra uma retroescavadeira.
No entanto, mesmo ainda mergulhado em estranho cenário, vejo vindo no ar uma rasa aurora. É mais um cheiro que uma visão -- o que a faz tanto mais certa, uma vez que o olfato raramente se engana --, um aroma distante de manjericão. Ou de café recém-coado. À essa imagem já a libélua carnuda se acalma um pouco. Aguarda a tempestade vermelha que vai pôr abaixo o Tártaro, os caçadores, os falcões, os pântanos, os platôs. Então guarda forças em pequenos copos que vai acumulando. Depois acorda e volta a debater-se.
Já é a nuvem púrpura que vem ou é só o meu querer que ela venha que me engana? É fácil descer o Averno. Os grilos tilintam na amurada como sempre o fizeram. O homem que entra no Ganges e o que sai não são o mesmo, este é mais forte que aquele. Mais novo, mais terrestre, mais celestial, mais real.
Feliz ano novo a tod@s. Como no mito de Er, o blogue Coluna de Ar volta do Hades. Durante muito tempo considerei a possibilidade de um bloguecídio definitivo, sem retorno. Foi um estímulo o reavivou, como uma massagem cardíaca. Quem é sabe. É de pequenos estímulos que se alimenta quem de rojões se empanturrou. São digestivos. Melhores licores, menores taças. Sabe como é. Muito obrigado a tod@s que contribuíram direta ou indiretamente para que bons ventos soprassem nesse ano difícil que se foi. Sintam-se abraçad@s e beijad@s!
Aproveito para anunciar uma pequena pausa nas postagens. Não sem um sorriso malicioso de quem volta do mundo dos mortos e anuncia que vai tirar um cochilo. O sono, esse estranho irmão da morte! Ou como o malandrim que trabalha um, descansa um dois, trabalha três, descansa um dois três quatro. Mas não é picaretagem não. Volto em mais ou menos um mês. Trarei fotos! ;)