quarta-feira

Stoff

Opaco. Denso. Seu cheiro me faz questionar a permanência das coisas. O que me resta? E, no entanto, o cheiro está lá. Abro a janela e lá está ele. Impregna-se nas paredes exteriores como musgo em cavernas. Permeia toda química mundana; posso senti-lo agora, lá vai ele no pouso de uma mariposa. Cada cerda microscópica incrustada aos milhares nas asas agitadas procurando a luz e produzindo a sombra – cada uma delas multiplica aquele olor. Refrata-se na borda de um espelho, no reflexo do sol em torres de vidro. Quando chega montado no esbugalhar das órbitas de cães molestados é miasma. Vem como aroma na textura tépida de lábios amados. Como negar apenas um lado e manter a consciência da unidade? O aroma me faz vivo enquanto o miasma me faz forte. Aniquila-me a infinita certeza da degradação dos elementos menos por revolta contra o tempo do que por saber que ele fica. O cheiro fica. Imutável nas suas manifestações multipolares. Inelutável. Só é possível esquecê-lo dele embriagando-se. Talhá-lo com as unhas; nos dentes carregá-lo; sorver seu aspecto; enrolar-se em sua manta. Incorporando-o em tudo o que em mim existe posso perdê-lo de vista, ocultá-lo consigo próprio. Sê-lo. Mas aí um capim espartano em alguma rachadura do passeio me joga na cara todas as crinas coloridas e geométricas que esvoaçam no corpo rugoso do nada e pimba! – o cheiro novamente. Estampado como um leque de gueixa.

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