segunda-feira

para Paulo, César e Lúcia

Aquí viene la vieja bruja negra del Gran Paraguay!

[Francis Bacon, "Painting 1946"]

frase do dia

A percepção das coisas que esvoaçam ao redor de si mesmas como que deixa-me existir só num mundo de fenômenos no tempo e no espaço e as pessoas concordam acerca do apenas ser quando se ouve aquele tipo de música revivalista de um culto localizado fora de todas as coisas fora-de-si num não-lugar cultivado com sutileza através de todos esses anos de vida consciente que enfim arrebatarão as distâncias alimentadas sazonalmente pelas grandes secas e as quais não podemos senão percorrê-las com ombros largos e céus suspensos e mandacarus em flor e chapéu de couro e um tanto tão tão tão tão tão grande de coragem que nem pensar já é correr e pensar sem ver já é morrer num pântano de árvores oblongas e retorcidas para sempre aprisionado num rejeitar.

quarta-feira

lendo Arthur I

Nossa vida, segundo Arthur, é dotada de um movimento pendular entre dois extremos, sem contudo repousar por muito tempo em um deles. Num pólo há o sofrimento, advindo de todo querer e desejo. O querer precede o objeto do querer, pois o anseio, o ímpeto cego, são nossa essência mesma -- que, diga-se de passagem, também é a essência do mundo exterior. No outro pólo há o tédio, que vem quando há uma satisfação temporária dos impulsos da vontade. Temporária pois a vontade jamais pode ser satisfeita, uma vez que é querer cego, ímpeto sem objeto a priori. Esse pêndulo, de acordo com Arthur, rege nossos dias. Quando nascemos, é como se uma corda de relógio fosse engrenada, e então o pêndulo começa seu movimento, até o dia em que a corda acaba. Seu movimento pode ser mais ou menos regular, mas, via de regra, é constante, pois sempre queremos algo e, quando o conseguimos à custa de privações e renúncias, nos desiludimos, pois voltamos ao estado em que estávamos antes de querer o que tanto suor nos custou. Sobrevém o tédio, até novo impulso da vontade entrar em cena e movimentar nossas ilusões mais uma vez. E assim segue a vida. Nem mesmo a morte do indivíduo é capaz de fazer parar esse pêndulo atroz, pois o indivíduo nada mais é do que um fenômeno da Vontade una, eterna, cega, auto-discordante e absoluta. Ou seja, a essência da vida para o sujeito é, fundamentalmente sofrimento e, nas breves ausências daquele, tédio.
Isso nos leva à consideração da vida do indivíduo como trágica, no sentido clássico da palavra. Os quereres, as ilusões, as buscas infindas, os amores perdidos, as conquistas incapazes de trazer paz, todos esses feitos, no final, não são capazes de nos trazer muitas coisas de fato duradouras. Os acréscimos não são permanentes e, muitas vezes, degeneram rapidamente em nossas mãos sempre sedentas. Frequentemente nos desiludimos quando alcançamos algum objeto passageiro de nossa vontade, recaindo com toda força no movimento pendular do qual nos julgávamos livres. Os heróis das tragédias passam por mil tormentos para no final serem derrotados, assim como nós, naquela perspectiva geral do curso de vida. No entanto, a vida do indivíduo quando considerada cotidianamente é dotada de um ar deveras cômico. Trocamos os pés pelas mãos a todo o tempo, buscamos aquilo que não podemos ter, nos enganamos acerca dos objetos de nosso querer, erigimos castelos de fantasias assaz neuróticas para tentar fazer uma ideia mais clara das coisas, turvando assim a água da fonte onde vemos nossos reflexo deformado -- como personagens de Woody Allen. Todavia, a afirmação daquele aspecto trágico, a sua aceitação, fruição e quiçá gozo, ressoa como a grande afirmação nietzschiana da vida, que nos faz grandiosos e altivos.
E, para encerrar esta nota, o que fazer com esse conhecimento, a saber, de que a Vontade, essência íntima do mundo, traduz-se por um ímpeto cego, eternamente voraz, auto-discordante, sem fim, cujo fenômeno é o mundo mesmo, toda a multiplicidade de objetos cuja inconstância contemplamos, enfim, que fazer? E o que fazer com todos os planos, ambições, desejos, se sabemos que não são capazes de alterar em essência o movimento do pêndulo schopenhaueriano, mas apenas impulsioná-lo para um lado ou para o outro?
"...Quando vem a madrugada
meu pensamento vagueia,
corro os dedos na viola
contemplando a Lua cheia;
apesar de tudo existe
uma fonte de água pura:
quem beber daquela água
não terá mais amargura.
Desilusão, desilusão..."

terça-feira

de volta

Como é bom ter um puro sopro na alma! Um vento que traz a leveza das manhãs... Já estava quase me acostumando com o despertar diário num éden alagoano! E agora, a cidade passa lá fora da janela, com seus mistérios insondáveis, suas azáfamas. Soa como um ruído distante, a cidade que me cerca agora. Sinto ainda ao meu imeditato redor os coqueiros, a espuma do mar, as catraias de madeira e isopor. Serenidade! Quão acessível é a paz, e quanto nos forçamos para longe dela! Que jogo besta esse dos homens de paletó, com ares e palavras, todos cheios de uma gelatina cinza no peito... Que desperdício de vida esse do asfalto, do subterrâneo, da altura vítrea...

Reli esses textos raivosos que publiquei aqui no blogue... Que horror! Então é esse o resultado de se viver numa grande cidade contemporânea? Abaixo o verde tenebroso da bile! De agora em diante não haverá mais espaço para o rancor, nem para a raiva, nem nenhum pixel rabugento correrá mais nessas veias eletrônicas! Bons humores à frente, Capitão!

Para se definir minha estadia na Terra dos Altos Coqueiros em poucos adjetivos: quente, sereno e melancólico. Deixo o triste de fora só por preferência estética às elipses de três elementos. Mas não nos adiantemos... Tudo a seu tempo!