Nossa vida, segundo Arthur, é dotada de um movimento pendular entre dois extremos, sem contudo repousar por muito tempo em um deles. Num pólo há o sofrimento, advindo de todo querer e desejo. O querer precede o objeto do querer, pois o anseio, o ímpeto cego, são nossa essência mesma -- que, diga-se de passagem, também é a essência do mundo exterior. No outro pólo há o tédio, que vem quando há uma satisfação temporária dos impulsos da vontade. Temporária pois a vontade jamais pode ser satisfeita, uma vez que é querer cego, ímpeto sem objeto a priori. Esse pêndulo, de acordo com Arthur, rege nossos dias. Quando nascemos, é como se uma corda de relógio fosse engrenada, e então o pêndulo começa seu movimento, até o dia em que a corda acaba. Seu movimento pode ser mais ou menos regular, mas, via de regra, é constante, pois sempre queremos algo e, quando o conseguimos à custa de privações e renúncias, nos desiludimos, pois voltamos ao estado em que estávamos antes de querer o que tanto suor nos custou. Sobrevém o tédio, até novo impulso da vontade entrar em cena e movimentar nossas ilusões mais uma vez. E assim segue a vida. Nem mesmo a morte do indivíduo é capaz de fazer parar esse pêndulo atroz, pois o indivíduo nada mais é do que um fenômeno da Vontade una, eterna, cega, auto-discordante e absoluta. Ou seja, a essência da vida para o sujeito é, fundamentalmente sofrimento e, nas breves ausências daquele, tédio.
Isso nos leva à consideração da vida do indivíduo como trágica, no sentido clássico da palavra. Os quereres, as ilusões, as buscas infindas, os amores perdidos, as conquistas incapazes de trazer paz, todos esses feitos, no final, não são capazes de nos trazer muitas coisas de fato duradouras. Os acréscimos não são permanentes e, muitas vezes, degeneram rapidamente em nossas mãos sempre sedentas. Frequentemente nos desiludimos quando alcançamos algum objeto passageiro de nossa vontade, recaindo com toda força no movimento pendular do qual nos julgávamos livres. Os heróis das tragédias passam por mil tormentos para no final serem derrotados, assim como nós, naquela perspectiva geral do curso de vida. No entanto, a vida do indivíduo quando considerada cotidianamente é dotada de um ar deveras cômico. Trocamos os pés pelas mãos a todo o tempo, buscamos aquilo que não podemos ter, nos enganamos acerca dos objetos de nosso querer, erigimos castelos de fantasias assaz neuróticas para tentar fazer uma ideia mais clara das coisas, turvando assim a água da fonte onde vemos nossos reflexo deformado -- como personagens de Woody Allen. Todavia, a afirmação daquele aspecto trágico, a sua aceitação, fruição e quiçá gozo, ressoa como a grande afirmação nietzschiana da vida, que nos faz grandiosos e altivos.
E, para encerrar esta nota, o que fazer com esse conhecimento, a saber, de que a Vontade, essência íntima do mundo, traduz-se por um ímpeto cego, eternamente voraz, auto-discordante, sem fim, cujo fenômeno é o mundo mesmo, toda a multiplicidade de objetos cuja inconstância contemplamos, enfim, que fazer? E o que fazer com todos os planos, ambições, desejos, se sabemos que não são capazes de alterar em essência o movimento do pêndulo schopenhaueriano, mas apenas impulsioná-lo para um lado ou para o outro?
"...Quando vem a madrugada
meu pensamento vagueia,
corro os dedos na viola
contemplando a Lua cheia;
apesar de tudo existe
uma fonte de água pura:
quem beber daquela água
não terá mais amargura.
Desilusão, desilusão..."